sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

DA ABORDAGEM FENOMENOLÓGICO EXISTENCIAL DIALÓGICA DE PAULO FREIRE Empírica, Experimental, Estética e Poiética

Afonso H Lisboa da Fonseca, psicólogo*.


1. Uma pedagogia dialógica, estética, poiética; fenomenológico existencial empírica, e experimental; para o enfrentamento da opressão e da exclusão. Uma pedagogia ontológica para o ser humano.

2. Ética
a. À guisa de introdução à questão ética em Paulo Freire.
b. História e ética
c. Ética: Estética
d. Ética: Poiética

3. Dia Logos

4. Empirismo Experimental fenomenológico existencial dia-lógico.

5. Interesse, inter essere, o desafio da Dialógica.

6. Uma Educação para a sociedade Brasileira, uma educa-ção para seres ativos, e atuantes.






1. Uma pedagogia dialógica, estética, poiética; fenomenológico existencial empírica, e experimental; para o enfrentamento da opressão e da exclusão. Uma pedagogia ontológica para o ser humano.


Precipuamente, a abordagem de Paulo Freire surgiu como uma resposta e uma disposição contra a desumanização, contra a opres-são e a exclusão de amplos segmentos da população Brasileira, resul-tantes da constituição colonial da cultura e da sociedade do Brasil; e da substituição do estamento colonialista por uma estamento atócto-ne voltado para a manuter e para usufruir da desigualdade radical.
Paulo Freire constatou a situação histórica do Brasil. E elaborou uma instância ética radical da não opressão e da não exclusão. Mais que isto, consequentemente, elaborou uma instância ética de reco-nhecimento radical da humanidade das classes e das pessoas das classes oprimidas e excluídas, reconhecimento que implica o reconhe-cimento de seu constante e indestrutível processo de criar o seu ser mais, em particular diante das históricas, culturais, e tremendas pressões para o seu ser menos. Reconhecer a sua humanidade radi-cal, e o seu permanente processo, radical de humanização, significa igualmente reconhecer a sua alteridade radical, o seu processo radi-cal de produção autônoma de sentido, e de ação.
Certo que estes reconhecimentos implicam no reconhecimento deles como inevitável e radicalmente outros. Mas, da mesma forma implicam na constituição deles e a eles como parceiros para o diálo-go, no sentido propriamente entendido; para a inter ação, para a a-ção inter humana.
Da instância ética de Paulo Freire, compatível com esta, se constitui a sua instância metodológica. Em essência, só o diálogo é possível, só o diálogo é potente, só o diálogo e as suas implicações são respeitáveis e respeitosos da alteridade radical, da humanidade e da humanização radicais. Neste contexto, Paulo Freire entendeu que a ética e a metodológica de sua abordagem só poderiam ser radicais na dialogicidade: e assim se constitui o seu método. Privilegiando fundamentalmente o respeito pela humanidade, pela alteridade radicais; da mesma forma que privilegiando radicalmente o inter essere, o encontro dialógico radical e o seus desdobramentos, como âmbito do encontro -- fundamentalmente estético, fenomenológio existencial empírico, e experimental --, e como âmbito próprio e específico de vigência do possível e da possibilidade, e do seu escoamento no sen-tido da ação, da criação.
Paulo Freire revolucionou mundialmente, em específico por uma ética do reconhecimento radical da humanidade e da humanização; pelo reconhecimento radical da alteridade radical; pelo reconheci-mento ativo da vocação humana para a dialógica, para o inter huma-no, para a inter ação inter humana, pra a ação, para a criação, para a superação.
De modo que a ética e a metodológica de sua abordagem não são próprias e boas apenas para os excluídos e oprimidos -- ainda que estas impliquem num compromisso radical com estes --, mas é boa para qualquer ser humano, nos mais diferentes contextos de vida e de aprendizagem.
Porque é ética e uma metodologia ontológicas de educação, voltadas para a essência do humano; que é a existência no possível, na possibilidade, e no desdobramento desta como ação, atualização, e como superação. Como potencialização do retorno da vontade de possibilidade, da ação, da criação, da superação, e da alegria.



2. Ética

a. À guisa de introdução à questão ética em Paulo Freire.

Fundamentalmente, é disto que se trata, portanto, na aborda-gem de Paulo Freire. De ética. De uma ética particular a partir da qual pensar o Brasil e o povo Brasileiro, a história do Brasil, a opres-são a exclusão coloniais, prolongadas pelas classes dominantes atóc-tones, depois da Independência e da proclamação formal da República; de uma ética particular de agir no Brasil como, e com o, povo Brasileiro. Uma ética que rompe radicalmente com a ética colo-nialista da opressão e da exclusão, que rompe com a moral do niilis-mo, na sociedade Brasileira; e passa a pensar e a agir no diálogo, no sentido da atualização de possibilidades, e no sentido da humaniza-ção.
É preciso, assim, pensar fundamentalmente, e explicitar, e atu-alizar a abordagem de Paulo Freire a partir de suas premissas éticas. E, das premissas desta ética decorrentes, pensar e explicitar o méto-do de uma pedagogia, de uma abordagem, que, por radical respeito à radical humanidade e radical alteridade das classes e das pessoas das classes oprimidas e excluídas -- mas, na verdade, por respeito à hu-manidade e à alteridade de qualquer pessoa --, se constitui conse-quente e radicalmente como uma pedagogia dialógica.


b. História e ética

Paulo Freire não era um historiador. Profundamente consciente das determinações históricas e culturais do Brasil, das evidências co-tidianas e não cotidianas da opressão e da exclusão, tão frequente-mente tão gritantes e escandalosas, vai às questões centrais. A questão humana no Brasil. A opressão das massas no Brasil pelo pro-cesso da colonização; a desumanização gritante dessas massas e das pessoas que as constituem. Determinadas pelo mecanismo do coloni-alismo; votadas à perpetuação pela interiorização da opressão e dos mecanismos da exclusão e da desumanização colonial, assumidos em seu interesse pelas classes internas dirigentes, depois da indepen-dência política do país e da proclamação formal da República.
Ao lado do colonialismo, das realidades factuais da opressão, da exclusão, e da desumanização, Paulo Freire constata e declara, expli-cita e ativamente – quase que diríamos: jovial e alegremente --, a humana condição do possível, do humano carecimento de ser mais, o carecimento e possibilidade intrinsecamente humanos para a supe-ração. Mesmo quando as condições históricas determinam o abjeto, e o mais abjeto ser menos da desumanização que não vacila até mesmo à determinação irrevogável do sofrimento e da morte indivi-dual e massiva pela inanição e pela sede, como condição naturalizada da opressão e da exclusão.
Paulo Freire é o antípoda do religioso conclave na Universidade de Salamanca que versava sobre a decisão acerca de se teriam alma ou não os indígenas da América, e, naturalmente, por extensão, os Negros, Mouros, Mamelucos, e outros mestiços Africanos e Amerindi-genas. É afirmativa, radical e incondicional, a sua opção pela generi-cidade da condição humana, e pelo imperativo indestrutível de sua humanização – em particular nas condições históricas que o colonia-lismo deixou e deixa as massas e as pessoas das massas dos oprimi-dos e excluídos – ofendidos e humilhados. Esta é parte fundamental de sua premissa ética mais originária, diante da condição das massas e das pessoas das massas oprimidas dos excluídos do Brasil. Toda pessoa das massas dos oprimidos e excluídos detém o poder, e o ina-lienável direito de ser mais; detém em si a potência do possível, mes-mo quando historicamente constrangidas ao ser menos, e a se desumanizar. Tem a capacidade e o direito cristalinos de ser mais, de se criar como humano e de criar o mundo que lhe diz respeito, em consonância com o desenvolvimento atual da humanidade, com a sua potência e alegria criativas.
Esta postura, esta ética, e a sua essencial radicalidade, não e-ram nem são comuns no Brasil. Mesmo hoje, temos vastos segmen-tos da população, que frequentemente nem mesmo são das classes dominantes, e que naturalizam as enormes desumanidades que o processo de colonização, e a substituição dos colonialistas externos pelas classes dominantes brasileiras, reservaram para as classes des-possuídas e excluídas do usufruto dos produtos do processo de pro-dução coletiva da riqueza no Brasil.
Pois esta radicalidade ética, de não negar a humanidade nem a alteridade, e de nem negar o imperativo da humanização a nenhuma pessoa, por mais excluída e oprimida que seja, é a base ética da a-bordagem de Paulo Freire.

c. Ética: Dialógica e Estética, Poiética

A Dialógica, o modo de sermos do Diálogo, são própria e emi-nentemente estésicos. Ou seja: são vivência pré-reflexiva, pré-comportamental, pré-pragmática, fenomenológico existencial poiéti-ca. E, em assim sendo, são Estéticos. O diálogo e o dialógico, como vivência e atualização de possibilidades, que é ação, a atualização, é poiético; e para isto é estético.
Assim, a Estética, a ética da estesia -- além de ser, própria es-pecificamente, uma Ética, é eminentemente Poiética. Isto quer dizer que, poiética, ela privilegia o modo fenomenológico existencial de sermos, como modo de sermos da vivência do possível, da vivência da possibilidade, da potência, da vontade de possibilidade, e o des-dobramento desta, na ação, na atualização, que especificamente é o que entendemos e chamamos de poiese.
A Dialógica, portanto, o Encontro Dialógico, são estéticos, e poiéticos. E assim, a ética e a metodológica da abordagem freireana são, própria e especificamente dialógicas, estéticas e poiéticas, na medida em que privilegiam o modo estético e poiético de sermos, o modo de sermos no qual vivenciamos possibilidades, e agimos, como desdobramento destas..
Naturalmente que Freire, professor formado, advogado, filho de militar, não se incluía entre as formas mais rudes da exclusão e da opressão. Constatadas as evidências cotidianas dos oprimidos e das opressões, as evidências cotidianas dos excluídos e das exclusões, inclusive na cotidianidade de suas monstruosidades, competia a Frei-re não só pensar os oprimidos e os excluídos, e suas condições e cir-cunstâncias, humanas, e desumanas; mas, sobretudo, pensar os oprimidos e excluídos, e com eles interagir, de forma que não repro-duzisse, simplesmente, a opressão e a exclusão; mormente ao se pensar e atualizar, operacionalizar, uma educação para os excluídos e oprimidos.
Não reproduzir a opressão e a exclusão significava, e significa, sobretudo, e em primeiro lugar, não participar dos, e não reproduzir os ardilosos, astutos, covardes, e históricos mecanismos ideológicos de negação da humanidade e da alteridade radicais dos oprimidos e excluídos; não negar a humanidade e a alteridade dos oprimidos e excluídos, e disso fazer um princípio radical. Não negar a humanidade e a alteridade dos oprimidos e excluídos das formas mais óbvias e evidentes; e, sobretudo, não negar das formas mais ou menos vela-das e astutas das ideologias da dominação, da colonização, da opres-são e da exclusão; em suas dimensões cotidianas, e não cotidianas.
Para tal, apenas o reconhecimento radical, e ativo, a afirmação da afirmação, tácita e explícita, da humanidade e da alteridade dos oprimidos e excluídos; em sua constante e indestrutível labuta de fa-zer-se ser mais e melhor, nas históricas condições e mecanismos his-tóricos mandatórios do ser menos da opressão e da exclusão. A crença na e ação da utopia, e da poiese do inédito possível e viável da história, nas constrições históricas do ser menos. Pela simples a-tualização da potência da ação como conhecimento e muscularidade, e pela negação dos mandatos de ser inerte, e impotente.
É que no diálogo, no estético, no poiético, somos possível, so-mos potência, e atualização, somos ativos nos músculos e na consci-ência, no pensamento, no conhecimento e na ação motora; e incomodamos o mundo acontecido com o acontecer da criação de nós próprios e do mundo que nos diz respeito.
A genialidade ética de Paulo Freire -- estéticamente, certamen-te --, conectou a dimensão ética de sua leitura da historicidade da opressão e da exclusão no Brasil, de sua repulsa a estas; com a onto-lógica ética, estética, poiética, dialógica, da vivência da potência da possibilidade, e da ação. E destas dimensões de sua ética se constitu-iu a metodológica de sua abordagem.
Vale lembrar a observação de Buber -- no Elementos do Inter Humano, em Do Diálogo e do Dialógico --, de que, quando encon-tramos um outro ser humano, conhecemos o nosso caminho até ele; não conhecemos o caminho dele até nós. O caminho dele até nós e ele próprio, na pontualidade de suas potências e atualização, só nos pode sere dados, momentaneamente, na dialógica do Encontro; no Diálogo Inter Humano. Que é estético, e poiético.
Daí que, o radical reconhecimento da humanidade, e da alteri-dade, do oprimido e excluído, como princípio ético e metodológico, nos impede o direito de hipostasiá-lo, de pressupô-lo, teórica, com-portamental, ou pragmáticamente, seja lá em que dimensão for. Não nos permite, em momento algum, decidir por ele e para ele, seja lá em que momento for, sejam quais forem os motivos, sejam quais fo-rem as nossas idéias e condições. O respeito pela humanidade do o-primido e excluído necessariamente passa pelo reconhecimento de sua alteridade radical, desconhecida alteridade, que só nos pode ser dada pela dialógica, eventualmente conflitiva, do Encontro, do pro-cessamento empírico e experimental do Dialógo inter humano com ele; quer seja individual, ou coletivamente. E que decorrem do reco-nhecimento incondicional de suas capacidades para a vivência do possível, para a ação, para a atualização. Tanto ao nível do conheci-mento, do processo de produção de seu conhecimento, como ao nível de sua motricidade.
Daí que, junto com um princípio do reconhecimento radical e conseqüente da humanidade e da alteridade do oprimido e excluído, é uma implicação ética e metodológica básica e natural, um princípio congênito, o princípio radical e conseqüente da disposição para o en-contro inter humano, ou seja: a disposição decidida e franca para a estética do Diálogo, para a Dialógica Inter Humana; para, junto com ele, e na inter ação, pensar, agir, interagir, como únicas formas pos-síveis e lícitas. Trata-se, assim, de reconhecer a sua alteridade e a sua humanidade, trata-se da relação e da dialógica com ele enquanto alteridade absoluta.
Este é o âmbito de partida, e o principal âmbito de toda a ativi-dade no decorrer da vivência da abordagem freireana.


d. Ética: poi-ética

O Dialógico é Estético, a Estética é Poiética.
A Estética é poiética porque é condição, é o âmbito do modo de sermos no qual pode dar-se o poiético. Ou seja, o modo de sermos no qual vivenciamos o possível, modo de sermos da vivência da pos-sibilidade, da vivência da vontade de possibilidade, e da superação.
A vivência de possibilidades é, igualmente, a vivência do des-dobramento destas, e é este desdobramento que entendemos como ação. E como superação.
A ação, assim, é a vivência fenomenológico existencial dialógi-ca, e estética, de possibilidades; e do desdobramento destas. As pos-sibilidades em sua vivência são forças. E o próprio das forças, enquanto tais, é que elas se desdobrem. A ação é vivência de possibi-lidades e a vivência do natural desdobramento delas, no processo da superação. A poiese é o modo de sermos que produz as formas de nós mesmos e do mundo que nos diz respeito, pela atualização de possibilidades. A estética é o modo de sermos da poiética. O modo de sermos que privilegia a vivência de possibilidade e do desdobramento delas é assim uma ética, poiética, o modo poiético de sermos. O mo-do de sermos da ação, e da superação. Nietzsche diria: e eis o que segredou-me a existência: eu sou aquilo que se auto supera indefini-damente...
A apreensão como conhecimento vivencial -- fenomenológico e existencial, dialógico, pré-reflexivo, pré-conceitual, pré-prático, pré-real --, a apreensão como conhecimento, como ação, da possibilidade vivenciada no âmbito do modo estético de sermos faz com que este modo de sermos seja o modo de sermos com-apreensão; ou seja, o modo de sermos da compreensão: o modo compreensivo de ser-mos, o modo de sermos com apreensão do possível, das possibilida-des, em seu desdobramento. Estamos implicados na vivência compreensiva da possibilidade, e da ação que ela constitui com o seu desdobramento. De modo que o modo compreensivo de sermos, o modo estético, poiético, dialógico, de sermos é modo de sermos da implicação.
Modo de sermos este ao qual se contrapõe o modo de sermos que não é da ordem da implicação. Mas é o modo de sermos da ex-plicação. O modo teorético de sermos.
O conhecimento estético, a ciência estética, é conhecimento a-tivo, atualização de possibilidade, que se dá no modo estético de sermos, pré-reflexivo, pré-conceitual, pré-comportamental. E que é conhecimento compreensivo, no qual estamos implicados. Pode se dar ao nível do conhecimento meramente compreensivo; ou pode se prolongar, também, ao nível do conhecimento – compreensivo -- ati-vamente muscular.
Podemos dizer que o modo estético de sermos é, enquanto co-nhecimento, um modo de ver. Uma visão, um vislumbre, do possível em seu desdobramento ativo, e que nos constitui. Um modo de ver em que, compreensivamente, implicativamente, vivenciamos o vis-lumbre do possível, e o seu desdobramento como ação, atualização. Meramente compreensiva, ou compreensiva e muscular.
É este o modo de vermos, o modo de sermos, e a visão estéti-ca, e poiética, dialógica, do ator, do agente.
Igualmente, o teorético é um modo de ver.
Mas o teorético não é o modo de ver estésico, estético, dialó-gico, e poiético, do ator – como vimos, o estético é especificamente o modo de ver do ator --; o teorético é o modo de ver, de abstração, e de inação, do espectador.
Assim, o teorético não é um modo de vivência de possibilida-des, e de vivência do desdobramento destas, na ação, atualização. É um modo intivo de sermos, no qual re-incidimos sobre o que se atua-lizou como vivência, e vivência do desdobramento, de possibilidade.
No modo teorético de sermos re(a)presentamos aquilo que se atualizou, ou seja: aquilo que se apresentou, como produto da ação, no modo de sermos pré-reflexivo, pré-conceitual, pré-comportamental, e originário, da vivência e da vivência do desdo-bramento de possibilidades.
Originalmente, o estésico é nome de um vento que sopra na Grécia numa determinada época do ano, e que impulsiona as velas dos navios. Eis aí a origem do conceito, de estésico, de estesia, e, no limite, de estética: a ética da estesia. A pulsão do possível que impul-siona a ação, no modo dialógico e fenomenológico existencial de ser-mos, modo estético de sermos, foi entendida por analogia, como devir (de vento), como similar ao vento estésico -- que impulsiona as velas dos navios. Daí ser designada como estesia a vivencia de corpo e de sentidos, que permite a vivência da pulsão das possibilidades, impulsionando a ação, a atualização. Por isso, pela vivência das pos-sibilidades e do seu desdobramento, este é o modo de poiético de sermos -- em que vivenciamos a estesia, a ação decorrente da atuali-zação de possibilidades.
Poiético, portanto, refere-se à ação, à criação, à vivência de possibilidades e do seu desdobramento, na ação, no modo vivencial, estético, fenomenológico existencial, e dialógico, de sermos. A poiese é a criação que se constitui no desdobramento de possibilidades, na ação, ao modo estético de sermos.
O modo dialógico de sermos é o modo de sermos da vivência empírica fenomenológico existencial, estética e poiética. Dá-se sem-pre na dinâmica interativa, e implicativa, da dualidade eu-tu. Eu-tu que, enquanto vivências de possibilidades, mutua e alteritáriamente se constituem, se desdobram, e desvelam, na inter ação, inter huma-na que chamamos de diálogo.
O Dialógico é estésico. O Dialógico, estésico, é estético; e é poiético. E estes termos podem ser intercambiados em seus conceitos e conotações implicativas. A estética é dialógica, e é poiética. A poié-tica é estésica: é estética; e é dialógica. Como vivência e desdobra-mento de possibilidades, o dialógico, o estésico, o estético, o poiético, são eminentemente ativos. São eminentemente ação, inter ação.



3. Dia Logos

Para a Fillosofia do Dialógico, de Martin Buber , temos dois mo-dos de ser. O modo eu-isso de sermos, e o modo de sermos eu-tu – este, desde já, o nosso modo ontológico de sermos, o modo dialógico de sermos.
Vivemos na cotidianidade do modo eu-isso de sermos. É o mo-do de sermos da repetição, e do acontecido em nossas vidas; o modo de sermos da dicotomia sujeito-objeto, da objetividade, modo de sermos da causalidade, dos úteis e das utilidades, do uso; e o modo de sermos do realizado e da realidade. Que se opõem ao modo de sermos, eu-tu, do possível e da possibilidade.
Não é difícil entender que o modo teorético, assim como o mo-do comportamental, e o modo pragmático de sermos se definem co-mo modos de sermos do eu-isso. Como observamos, o modo teorético é, por definição, o modo de sermos da visão do espectador, que contempla um objeto: o objeto que foi objetificado, realizado, pela ação. Reincide sobre tal objeto, agora sob a ótica do espectador. Uma ótica diferente da ótica da vivência do ator, uma ótica diferente da ótica do ator no processo de sua poiese, de sua feição – perfeição --, no processo da ação, da atualização de possibilidades.
O teorético re(a)presenta a possibilidade que se apresentou -- que se atualizou, que se objetivou, que se realizou, no decorrer da ação do ator, como ex-pressão da ação; possibilidade em desdobra-mento, em atualização, em realização, em coisificação.
O comportamento, da esfera do eu-isso, é a nossa dimensão da atividade repetitiva, padronizada, para a qual se tem uma expectati-va; o comportamento, na qualidade de seu modo de ser, é diferente da ação; que é, própria e especificamente, a esfera do eu-tu.
O modo eu-tu de sermos é momentâneo e incontornavelmente recorrente em nossas vidas, em sua potência de vir a ser. Irrompen-do, em sua agressividade de potência, no âmbito do modo eu-isso de sermos; desconstruindo, e criando, e re criando em nossas vidas. É o modo especificamente ontológico de sermos.
De duas formas o modo de sermos eu-tu – ou seja, o vivencial, o fenomenológico, e existencial, o ser no mundo, o dialógico -- é On-tológico: (1) é Ontológico enquanto o modo próprio e específico de sermos da vivência do sentido, o sentido que é Logos. (2) E é Ontológico enquanto o modo de sermos que constitui a característi-ca que nos define enquanto seres, humanos, para a disciplina filosófica da Ontologia. Os humanos são seres que vivenciam o sentido, o Logos: esta é a sua característica definidora. Vivenciar o Logos, que é o onto logos, é a característica ontológica dos seres humanos.
Assim, o ontológico -- em termos de definição da humana cate-goria de ser --, é que somos ontológicos -- ou seja, vivenciamos o sentido, que se atualiza a partir de nossa vivência de possibilidades.
O modo ontológico, fenomenológico existencial, estético, de sermos é o modo de sermos em que somos presença. A presença, pres-ença, se define como o modo, ontológico, pré-coisa, de ser-mos. O modo de sermos, em que -- eu-tu, dialógica fenomenológico existencial --, somos vivência de possibilidades, e do desdobramento destas; antes que este desdobramento nos conduzam a entificação, ou seja, à esfera dos entes, das coisas, eu-isso. O modo ontológico de sermos, eu-tu, dialógico, fenomenológico existencial, é um modo pré-ente, presente, presença; de sermos como o vir a ser da ação de atualização do possível.
Diferentemente do modo eu-isso de sermos, o modo eu-tu de sermos é o modo de sermos do acontecer, a partir da vivência e do desdobramento, da ação, da atualização de possibilidades, em nossas vidas. É estético, e poiético. Como modo de sermos da vivên-cia e atualização de possibilidades, está fora do modo de sermos da dicotomia sujeito-objeto, sendo anterior à vigência desta dicotomiza-ção. Não é da ordem da causalidade, nem é da ordem dos úteis nem das utilidades; estando igualmente fora da ordem das relações de causa e efeito; e caracterizando-se própria e especificamente, em sua vivência e vigência, como desproposital. Não é, portanto, um modo de sermos da ordem do teorético – que especificamente se constitui como um afastamento do modo eu-tu de sermos; da mesma forma que não é da ordem do comportamental, da mesma forma que não é da ordem de uma prática, nem de uma pragmática.
Como é o modo de sermos marcado e impregnado pela vivência de possibilidades, e pela possibilidade do desdobramento destas, não é da ordem da realidade.
Nem teorético, nem prático, constitui-se -- pela vivência de possibilidade, e pela atualização destas --, como o modo poiético de sermos, que só se constitui estésicamente, como vivência estética, fenomenológico existencialmente, dialogicamente.
O modo dialógico de sermos -- modo de sermos eu-tu, estético, poiético -- se constitui na esfera da relação com a natureza não humana; na esfera da relação com outros seres humanos – a esfera do inter-humano; e na esfera da relação com o sagrado.
O termo, e o conceito, de Dia-lógico referem-se à característica de que o vivencial, o fenomenológico existencial, o compreensivo, a vivência de possibilidades, e do desdobramento destas, na ação, se dão como vivência de sentido. Vivência de sentido que é a estética, e poiética, do dinamismo da implicação interativa numa relação com uma alteridade não objetiva, e radical, intencional – in-tensional --, que se constitui como a radicalidade alteritária de um tu; em sua potência, possibilidade, e possibilitação, ação, enquanto tal. Uma relação eu-tu. Cuja dinâmica estética, e poiética, se dá como a movimentação implicativa de um eu em direção a um tu, enquanto alteridade radical; e vice versa.
Esta dinâmica interativa e implicativa constitui um campo de compartilhamento e de produção (Dia) de sentido (Logos), a partir da vivência e da vivência do desdobramento de possibilidades, e de ação, de atualização de possibilidades: um Campo Dialógico.
O logos, no caso, referindo-se ao sentido que é compartilhado compreensivamente; meramente como ciência ativa, ou como ci-ência ativa e ação muscular. E o Dia como a dinâmica reciproca-mente implic-ativa; estética e poiética, da movimentação da possibilidade e da possibilitação do tu, para a possibilidade e possibi-litação do eu, e vice versa; na constituição do campo dialógico da momentaneidade da relação eu-tu: dialógica, diálogo.
De modo que, reconhecendo e afirmando a condição de huma-nidade, e de alteridade radicais, e a intrínseca potência de humaniza-ção dos oprimidos e excluídos do processo da colonização do Brasil, e do mundo, e da neo exclusão e opressão perpetradas pelas classes dominantes, no período pós independência e pós República no Brasil -- sua radical alteridade, enquanto classes e enquanto pessoas consti-tuintes destas classes --, só restava à abordagem de Paulo Freire se enraizar e se entregar a uma dialógica radical com essas alteridades radicais.
Daí ser a dialógica, o diálogo, um outro elemento central da éti-ca, e da metodológica, da abordagem de Paulo Freire.


4. Empirismo Experimental fenomenológico existencial dia-lógico.

O fenomenológico, o existencial -- o vivencial, o ser no mundo, o dialógico, o eu-tu, o estético, o poiético -- são eminente, própria e especificamente, Empíricos, e Experimentais. Além de experien-ciais – no sentido fenomenológico --, naturalmente.
Mas isto -- empírico, experimental, e experiencial --, é bom que se acentue, num sentido muito particular dos termos. Ou seja, no seu sentido especificamente fenomenológico e existencial. O que, num sentido geral, quer dizer, em particular, que não são teoréticos, nem comportamentais. Da mesma forma que é um modo de ser excluído da ordem da prática, e da pragmática, portanto -- porque, em sua empírica vivência, própria e especificamente, vigora o estético des-proposital da poiética, do desdobramento, da atualização, de possibi-lidades; o estético desproposital da ação, que se dá fora do modo de sermos das relações de uso e de utilidade.
A abordagem de Paulo Freire -- qualquer abordagem dialógica, fenomenológico existencial dialógica, e experimental; na verdade qualquer abordagem fundada na ação, e que almeja a ação -- , é, portanto, um Empirismo: porque o diálogo e o dialógico, que são um de seus fundamentos mais importantes, não são nem teoréticos, nem práticos, nem comportamentais; são, própria e especificamente em-píricos; estéticos, e poiéticos.
Naturalmente que tão importante quanto entender, reconhecer e afirmar isto, não obstante, é qualificar adequadamente, reconhecer e afirmar o que se entende por Empirismo neste sentido; de que tipo de Empirismo se trata, quando assim o entendemos.
É interessante observar que esta questão -- a questão do seu caráter seu empírico --, é, contemporaneamente, ao mesmo tempo, um elemento central, ponto crítico, da abordagem freireana. Respon-sável, talvez, enquanto ponto conflitivo, por uma certa crise e parali-sia, e por uma certa alienação, no âmbito dos que se interessam e praticam a abordagem.

Ante tudo -- diante da constatação do caráter empírico da atua-lização da ética e da metodológica dialógica de Paulo Freire --, é im-portante, que se reconheça, entenda, e que se reitere o papel exercido, em suas posições, e em sua ética, pela utopia marxiana; e o caráter dialético marxiano de sua análise histórica, e da sua crítica social. Na qual, como bom empirista, ele não ia muito longe, em ter-mos quantitativos. Em nome da estética e da poiética da atualização da pontualidade do devir histórico.
Em termos qualitativos, a análise da alienação, e a perspectiva de sua superação; e a utopia marxiana, como observamos, exerceu uma função de relevo e uma importância fundamental na compreen-são e explicitação da realidade da opressão e da exclusão no Brasil. Na compreensão das potências de superação das condições históricas da desumanização, da opressão e da exclusão.
Dialéticos Marxianos, e Marxistas, têm, naturalmente, uma a-versão ao Empirismo. Mormente, e especificamente, ao Empirismo Positivista, Objetivista; contra o qual se insurge a epistemologia e a metodologia dialéticas.
Para reivindicar, e esclarecer, em particular, as determinações e os nexos históricos especificamente não empíricos da realidade empí-rica; o caráter de negatividade que o empírico exere com relação ao concreto. E a necessidade do movimento de pensamento numa nega-ção do empírico: que é negação da negação, para a elucidação das determinações históricas não empíricas que configuram a concretude histórica da totalidade social.
Enquanto ética e metodológica de sua análise social, Paulo Frei-re não poderia se contentar – não podemos nos contentar -- com o caráter chapado e superficial, “empírico” – no limitado sentido objeti-vista --, da realidade social, da realidade da sociedade Brasileira, da concretude histórica da opressão e da exclusão. Urgia, e urge bus-carmos desveladoramente as suas determinações históricas, os seus nexos, não empíricos, a constituição histórica de sua concretude não empírica.
E, para tal, a concepção dialética da história, e os produtos da pesquisa histórica dialética são fundamentais. Conformaram estes, em particular, a compreensão da concretude da historicidade da ex-clusão e da opressão na sociedade Brasileira. Conformaram estes a base para a utopia freireana, para um pensar utópico que entende que as massas e as pessoas das massas excluídas e oprimidas do Brasil assim o são por determinações históricas concretas; e que, por determinações igualmente concretas, e históricas, pelo seu careci-mento ontologicamente humano de ser mais, pelo seu carecimento de humanização, podem, e estão, a superar -- no âmbito da ação, da atualização do possível, da atualização do inédito viável --, as condi-ções a que lhes relegou a opressão e a exclusão históricas.
Como vimos, então, reconhecendo, radical e efetivamente, em sua ética, a humanidade e a humanização das massas, e das pessoas das massas oprimidas e excluídas do Brasil, só restava a Freire reco-nhecer e considerar a realidade histórica de sua condição; e reconhe-cer e considerar efetivamente, para qualquer inter ação, a sua alteri-dade radical. E, a partir destas premissas, disponibilizar-se radicalmente para o diálogo, e para o encontro dialógico radicais – que, a princípio, e por princípio, reconhecem, consideram, afirmam, e interagem com a alteridade --, como premissa, e com efetiva disposi-ção para qualquer cooperação, para qualquer interação, para qual-quer atuação que com eles se pudesse desenvolver.
Aí, já não se trata mais, simplesmente, de ler criticamente a história; aí, já não se trata mais de repetir a história. Trata-se, sobre-tudo, em particular, de criar a história; trata-se da poiética da histó-ria na ação, na atualização, a partir das potências dos possíveis disponibilizados na dialógica inter humana da estética do encontro; a partir das potências do possível, agenciados no diálogo.

Cultivar, desdobrar, atualizar estes possíveis em suas potências -- que só se dão empiricamente, na dialógica do encontro; é, própria e especificamente, o caráter Experimental, no sentido fenomenológico existencial, da ética, da estética, e da metodológica dialógica da a-bordagem feireana.
O diálogo e o dialógico são estéticos, são poiéticos -- são viven-ciais, fenomenológico existenciais. E isto significa dizer que, própria e especificamente, são empíricos e experimentais.
Isto significa dizer que o diálogo e o dialógico são vivência fe-nomenológica e inter ativa, vivência imediata de corpo e de sentidos. Não são da ordem da experiência teorética, nem da ordem da experi-ência comportamental – experiências abstrativas de corpo, de vivên-cia e de sentidos. Significa dizer, que o diálogo e o dialógico são estésicos, vivência fenomenológica imediata de corpo e de sentidos; não são teoréticos, não são técnicos, não são comportamentais, não são moralistas, não são práticos, não são pragmáticos. Na pontuali-dade da sua ação, como fenomenológica e existencial vivência e vi-vência do desdobramento de possibilidades, não são, nem mesmo, da ordem da realidade. Ainda que constantemente a criem. E isto, e que assim seja, é condição de possibilidade da poiética da ação, da poiéti-ca da história, que caracteriza a atualização, a criação; que é, simul-taneamente, auto criação e criação do mundo que nos diz respeito; e que se constitui como desdobramento, e como atualização, de possi-bilidades -- ação.
Assim sendo -- por ser estético --, o dialógico é, própria e emi-nentemente, empírico, no sentido fenomenológico existencial. Por ser estético, o empirismo fenomenológico existencial é dialógico. Por ser dialógica a estética é fenomenológico existencial empirista; por ser dialógico o empirismo fenomenológico é estético. Por fenomenológico existencial empírico, o dialógico é estético; por empírico o estético é dialógico.
A ação é fenomenológico existencial empírica, estética, e dialó-gica. Da mesma forma que o são o encontro dialógico, e a sua poiéti-ca: a vivência e a atualização de possibilidades na dialógica, no encontro dialógico inter humano, são própria e eminentemente esté-ticas, dialógicas e empíricas.
A ação é empírica porque -- em sua intrínseca e essencial atua-lização de possibilidades --, a ação se dá como vivência fenomenoló-gico existencial. Que é vivência, experiência, experimentação, pré-reflexiva, pré-conceitual, pré-teórica, pré-comportamental, pré-pragmática.
O dialógico, âmbito eminentemente da ação, é, portanto, empí-rico, e experimental.

Mas, é importante observar que aqui, estamos muito longe do empirismo objetivista, abominado pela Dialética, e pelos dialéticos.
Porque se trata, aqui, de um empirismo não objetivista. Trata-se, especificamente, do empirismo fenomenológico existencial dialó-gico. Que se constitui como tal em virtude das condições de não ser nem teorético, nem de ser comportamental. Configurando-se positi-va, e afirmativamente, como vivência imediata do risco e da tentati-vidade inerentes à atualização de possibilidades. Atualização, ação, que se dá, como sabemos, no modo fenomenológio existencial de sermos – modo de sermos dialógico, estético, compreensivo, e... em-pírico. E que se constitui, enquanto modo de sermos, aquém mesmo da dicotomização sujeito-objeto. A vivência fenomenológico existen-cial, empírica e experimental, se constitui enquanto tal na correlação intrínseca e intencional – intensional --, homem - homens, homens – mundo, solidariamente correlativos, de um modo inextrincável, ante-riormente a qualquer possibilidade de cisão, modificados, criados e recriados, pela poiética da histórica da ação.
O empirismo fenomenológico existencial dialógico, experimental – estético e poiético --, é diacrítico, é crítico – na medida em que é, própria e especificamente, ação; ou seja, movimento e mudança, a partir da atualização da potência do possível, desencadeada no e pelo limite da condição histórica.
Talvez até pudéssemos dizer que se trata de uma dialética. Na medida em que, no fenomenológico existencial dialógico -- empírico, estético, e poiético --, atravessamos e abandonamos o esquecimento – o lethos -- que se configura como realidade acontecida, objetiva e utilizável, teórica, e comportamental, pragmatizável; para adentrar-mos e nos imbuirmos em nosso modo de ser de força, de potência, de possibilidade, de atualização, de ação, de criação de nós mesmos, e do mundo que nos diz respeito.
Ao pensarmos em dialética, neste sentido, se é que é o caso, não podemos pensar, todavia, numa dialética da negação, e da nega-ção da negação. Porque, neste caso, efetivamente se trata de afirma-ção, e de afirmação da afirmação...
Esta, afirmação, exige a disposição para tentar. E, em particu-lar, a disposição para arriscar, para correr o risco, da atualização de possibilidades que conhecemos na vivência da Gestalt de sua po-tência, mas que não conhecemos na potência do detalhamento ativo de suas partes, de seus elementos constituintes – que só se dão pelo processamento vivencial da ação. O que não nos impede a disposição para tentar e arriscar. Porque esta disposição, é própria do devir, é própria da ação, é própria da superação, é própria e necessária à cri-ação. Que ontologicamente nos caracterizam como humanos.
Tentar e arriscar, correr o risco da atualização do possí-vel, é o sentido do verbo Grego perire. Que está na raiz do termo e do conceito de perigo; da mesma forma que é a raiz do termo e do conceito de perícia; e dos termos e conceitos de empírico e de expe-rimental, no sentido fenomenológico existencial. Da mesma forma que está na raiz de termos e conceitos como inspirar, expirar, respi-rar, pirata, pirar...
Sempre a tentatividade e o risco, perigantes que somos, onto-logicamente; mas sempre, também, a alegria, da atualização do pos-sível, da potência da ação, e do seu retorno.
A dialógica, fenomenológico existencial que é, se caracteriza, assim, como fenomenológico existencial empírica, estética, porque é a visão -- na verdade o vislumbre --, na improvisação, e a ação, do ator. Seja ele ator individual, diádico, ou coletivo. Mas sempre ator, na empiria improvisativa da ação. A dialógica é anterior e é radical-mente distinta em sua qualidade, da visão, do modo de ver, e da ina-ção, do espectador, teorético...
A dialógica é ainda empírica e experimental porque é um fazer-se ao largo a partir das raízes do devir, enquanto possibilidades que movem a ação; ao invés da mera permanência no porto do com-port-amento. É um arriscar e um tentar, um arriscar e uma tentativa de fluência na potência do possível, vivenciado pré-reflexivamente, pré-conceitualmente, pré-teoricamente, pré-comportamentalmente, pré-pragmaticamente, empiricamente. Um arriscar e tentar a ação, a a-tualização, a criação de si mesmo, o que envolve a criação do mundo que lhe diz respeito.
Um aspecto muito importante do empirismo fenomenológico é que, ao contrário do empirismo objetivista, o empirismo fenomenoló-gico não se move em um preconceito e aversão contra teoria, e con-tra a teorética. O empirismo fenomenológico não briga com a teoria e com o teorético. O momento vivencial é incontornavelmente empíri-co. Mas passada a pontualidade de seu momento, a teorizção, a re-flexão são invitáveis, e necessárias. A grande questão do empirismo fenomenológico, da ação, da atualização, é que elas, a reflexão e a teorização, são determinadas pela vivência empírica da ação, e a esta se subordinam. A reflexão e a ação não substituem a especificidade, a qualidade, a importância ontológica, da pontualidade da vivência empírica.
De modo que, própria e eminentemente dialógica, na relação inter-humana, estética e poiética da ação, a abordagem freireana é própria e especificamente empírica e experimental em sua ética e em sua metodológica. Porque essas são as condições do conhecimento como ação, e da ação como conhecimento, da ação e do conhecimen-to que nos modificam, e que modificam o mundo como atualização do possível que nos é ontologicamente imanente. Porque o Diálogo é, e só pode ser, empírico e experimental; no sentido fenomenológico e-xistencial, estético, e poiético.



5. Interesse, inter essere, o desafio do Diálogo, e da Dialó-gica.

O interesse é o desafio maior da dialógica, é o próprio desafio do diálogo e da dialógica, e da metodologia da abordagem de Paulo Freire. Porque o interesse, com efeito, é a própria essência da dialó-gica, do encontro, do diálogo.
Refere-se o interesse, nesse caso, ao interesse radical de cada uma das partes envolvidas no processo do encontro dialógico inter humano; e ao interesse como envolvente de ambas, ou múltiplas, partes do diálogo.
É o desafio maior porque o interesse é a própria constituição do encontro dialógico, é a própria dialógica, é o próprio diálogo, é a pró-pria esfera do inter, a esfera do entre – o ser entre, inter essere --, que constitui o campo dialógico* do eu-tu. Inter essre e dia lo-gos coincidem. O inter essere, interesse, se constitui na medida da qualidade, da força criativa, da atualização, das possibilidades que a qualidade do encontro, do diálogo, engendra, mobiliza e desdobra nos seus parceiros; e como vinculação deles. A emergência e atuali-zação do possível, como qualidade do encontro dialógico constitui o caráter da vivência de seu interesse – inter essere.
O modo de sermos vivencial -- fenomenológico existencial --, do dialógico, engendra a relação eu-tu como o que Buber chama de esfera do entre –, a esfera do inter. Este entre não é o “entre’ da relação entre dois objetos, como um intervalo entre dois objetos, já que, neste modo de sermos, estamos fora da dicotomia sujeito-objeto. Não vigora o objeto, da mesma forma que não vigora o sujei-to – de modo que não faz nenhum sentido que se fale da pomposa intersubjetividade. Mas o entre como campo dialógico que envolve os parceiros da relação eu-tu, da relação inter humana, da inter ação (o entre, por exemplo, de quando dizemos, cá entre nós: ...). Que se constitui como o dinamismo da dialógica eu-tu, mas não é relação sujeito-objeto.
É esta esfera fenomenológica e existencialmente intencional -- e intensional --, da dialógica do inter humano que permite a emer-gência compartilhada de possibilidades, o seu comparilhamento e-mergente, a sua vivência, e o seu desdobramento, no campo dialógico intencional, e intensional, da relação inter humana eu-tu. Esta esfera estética do inter -- na qual vigoram e se desdobram as possibilidades compartilhadas, no campo dialógico da relação eu-tu --, é ser, devir, vir a ser, do entre, do inter. O interessere, o interesse, o interessante.
O poder galvanizante, assim, do interesse deste, e neste campo dialógico fenomenológico existencial, é proporcional à força e poder criativo que a qualidade e a disposição para a atualização das possibi-lidades suscitam como campo compartilhado de vivência e de produ-ção de sentido, de ação; de vivência e desdobramento de possibilidades.
De modo que a própria constituição do interesse é assim indica-tiva da constituição e da qualidade do campo dialógico entre os par-ceiros, da constituição e da qualidade do campo dialógico da relação eu-tu, do encontro dialógico. A potência do interesse, a potência da dialógica, é diretamente proporcional às possibilidades e a afirmação das possibilidades que são engendradas entre os parceiros, no cam-po, e na momentaneidade do campo dialógico. Mas o interesse é o próprio campo dialógico. Ale se deve tanta consideração como ao próprio encontro, e dialógica.
Assim, tudo que impede e embaça a dialógica; tudo que, por-tanto, impede e embaça a potência e o desdobramento da potência da possibilidade que no seu âmbito se constitui, impede e embaça também o interesse, tal é a coincidência do interesse com a dialógica.
Tudo na relação, no eu-tu, no dialógico, inter humano, passa pelo interesse dos parceiros, e pelo interesse que se constitui como campo dialógico, de possibilidades e de sentido, de ação, comparti-lhados.
De modo que, tudo que impede e embaça o interesse, impede e embaça também a dialógica. A fatalidade (a centração nos fatos, a-contecidos, na realidade realizada, a indisposição para o devir intrín-seco à dialógica), a arbitrariedade, a indisposição estética, a indisposição fenomenológico existencial empírica e experimental, a indisposição para o diálogo e para o dialógico, a baixa consideração, a indisposição para a alteridade, para a diferença do outro são fatores tais.
O caráter intrínseco do interesse na constituição do dialógico -- como emergente e emergência da própria relação dialógica, como emergente e constituinte do próprio campo dialógico --, não exige, naturalmente, igualdade, ou similaridade das partes.
Pelo contrário, a relação alteritária entre diferentes é condição imprescindível da dialógica; a dialógica se nutre da diferença, e da alteridade. Exige a disposição e a disponibilidade estéticas, exige a disposição para os fluxos da vivência empírica, para o diálogo. Este, e o seu campo, campo dialógico, interessante, precisamente se consti-tuem a partir do respeito e da consideração pelas alteridades, do res-peito, consideração e interesse pela qualidade daquilo que é outro (alteridade), que no encontro configura a dialógica.
No caso da dialógica entre parceiros educativos, por exemplo, não se demanda que os professores não tenham a sua perspectiva e os seus pontos de vista particulares -- sobre currículo e conteúdo, por exemplo. Mas esta perspectiva e pontos de vista são apenas elemen-tos da alteridade própria destes, que são oferecidos ao e apresenta-dos no encontro dialógico, ao e no inter-essere, com os outros parceiros educandos; com o radical respeito pela interação com a al-teridade de suas posições. E é na dinâmica do encontro dialógico ati-vo das perspectivas e pontos de vista de uns e de outros que podem emergir os elementos efetivos de pontos de vista e de perspectiva da parceria dialógica – no caso, por exemplo, currículos, e conteúdos.
Da parte dos educadores, nunca se poderá esquecer a impor-tância para tal da abertura que se contrapõe à imposição, como re-presentativas das posturas respectivas do educador, e do propagandista.
Assim, a constituição da esfera do inter – interessere, dia logos – não impede a afirmação das diferenças, a afirmação das alterida-des. Pelo contrário, sem elas o diálogo não sobrevive, delas o diálogo se nutre, e perdura em sua dinâmica de engendrar possibilidades, e potencializar a sua atualização.
O diálogo não subsiste e não perdura, sem a disposição para a sua intrínseca e constante diacrítica – para as diferenças e modifica-ções potentes, possíveis, que ele próprio engendra; sem a disposição para a sua estética, e para o seu empirismo experimentativo fenome-nológico e existencial. E sem a consideração radical pela alteridade do parceiro, sem o interesse dialógico que se pode com ela constituir.



6. Uma Educação para a sociedade Brasileira, uma educa-ção para seres ativos, e atuantes.

Paulo Freire certamente não pensava nisso, quando desenvolvia a sua abordagem, à luz de lampião, nos cafundós do Sertão da Paraí-ba e do Rio Grande do Norte. Mas, ainda que o seu método seja fun-damental para colaborar com o processo de libertação das massas e das pessoas das massas das classes oprimidas e excluídas, a sua a-plicação não se limita ao contexto dessas. A abordagem freireana é muito importante para as classes e para as pessoas das classes opri-midas e excluídas porque é muito boa para seres humanos. Porque é uma educação para a potência criativa, poiética; porque é uma edu-cação para a ação – que mínguam aterradoramente na sociedade moderna.
A abordagem de Paulo Freire é o antídoto perfeito para este preocupante esvanecimento da ação, da atualização, da potência, da ética da potência, e do possível, da poiética – que nos são ontológi-cas.
A criação, a produção cultural, são imperativos para a cultura e para a sociedade Brasileira, da mesma forma que são imperativos a libertação das classes e das pessoas das classes oprimidas e excluí-das, e a saúde; saúde social e cultural, a saúde das pessoas e das comunidades, saúde física, psicológica e sócio cultural, a potencializa-ção da poiese, e da alegria de viver – todas intrinsecamente ligadas à ontológica capacidade humana de dialógica vivência do possível, e de desdobramento dele na ação. De modo que a educação para a potên-cia e para a ação, para a poiética e para a criação, que caracteriza a abordagem freireana, é uma educação igualmente ontológica, que é a dádiva de uma fina flor do Sertão, e da urbanidade oprimida, para a sociedade Brasileira como um todo, para o ser humano em sua gene-ricidade. Não é à toa que Paulo Freire faz tanto sucesso no exterior entre pesoas que se ocupam do desenvolvimento humano.
A abordagem educacional de Paulo Freire é, basicamente, um compromisso da solidariedade com a humanidade e com a alteridade das classes e das pessoas das classes oprimidas e excluídas, no Brasil e no Mundo. Mas não é aplicável apenas aos oprimidos e excluídos, aos humilhados e ofendidos. Em essência, ainda que possa adquirir várias formas, é a educação saudável para todo o povo Brasileiro, de todas as classes e origens. É a educação para a cultura Brasileira, pa-ra a participação produtiva na reinvenção da sociedade, da cultura, da mulher e do homem Brasileiros; uma educação para a potenciali-zação do possível, e do devir, para a ação como conhecimento e cria-ção ativos; no âmbito da educação formal e informal; como educação para a saúde; como educação ambiental e para a sustentabilidade, para o desenvolvimento comunitário, para a educação política, para a educação como educação para uma cultura Brasileira da solidarieda-de, que possa afrontar e enfrentar comunitariamente a cultura mer-cantilista, corrupta e niilista, da exclusão e da opressão.
Isto porque a educação para a criação e para a criatividade, a educação para a superação, a educação para a participação sócio cul-tural e histórica crítica, a educação para a atualização da potência do possível, a estética, empírica e experimental da educação para a poi-ese, para ação, para o conhecimento como ação -- que caracterizam a abordagem freireana --, configuram a ética e a metodológica de uma educação ontológica, uma educação da vocação humana para o possível, para a ação, para a crítica, para o conhecer ativo, e para a ação como ativo conhecer.
De modo que, compromisso de solidariedade com a humanida-de e com a alteridade das classes sociais oprimidas e excluídas, do Brasil e do Mundo, a abordagem educacional de Paulo Freire é uma abordagem de educação para o Brasil, para a cultura e sociedade Brasileiras; é uma educação para o ser humano.